O Avesso da Pele — Jerferson Tenório


esse é o segundo livro de literatura escrito por um homem negro que leio. o primeiro foi torto arado.

o livro começa de um jeito muito bonito, eu especialmente amo ler sobre memórias, sobre contação da vida dos nossos pais. cresci ouvindo muitas e muitas histórias que como foi a infância e adolescência dos meus pais, eles cresceram em regiões bem próximas no interior de pernambuco nos anos 70 e 80 e compartilham muitas memórias.

o protagonista quase não fala durante o livro sobre a religião do pai, como ele se conectava a Ogum. mas no fim retorna a passagem do início. parece quase um segredo sobre o sagrado na vida dele, sobre aquilo que existe e reside no não dito.

pensei muito os meus amigos negros durante o livro, em meu pai, meu sogro. na presença ou ausência que as figuras paternas exerceram na vida deles.

não tenho grandes analises sobre o livro, afinal é uma contação sobre vidas ordinárias, aquele tipo de coisa que o passageiro sentado ao nosso lado no ônibus esta vivendo e não sabemos. ordinário, e por isso tão valioso. quão especial é poder ver vidas sendo vividas de uma maneira comum, contando uma história que acontece com tantos e tem tantas particularidades únicas.

claro que certos momentos te pegam na garganta, dão falta de ar, uma tristeza imensa. eu tendo a gostar da melancolia, e mesmo assim me senti ofendida com tamanha dor. o que acontece no fim do livro é um soco no estômago. algo que, como o Pedro, filho de henrique fala, só vemos no noticiário e não nos atinge… até que atinge, até que rouba a vida, até que mata mais um pouco de nós.

apesar disso é muito interessante ver a relação deste homem, professor, negro, vivendo numa cidade hostil, como tantas outras, mas com aquele destempero do sul do país. aqui eu lembro de uma vez em que a Luana conta que o sul é um dos locais com mais terreiros de práticas diversas, grupos de negros que foram escravizados e mantiveram suas práticas sem tanta troca com práticas indígenas ou brancas, como ocorre na umbanda por exemplo. apesar dos pesares, a resistência do corpo, identidade, ciência negra resistiu as muitas tentativas de apagamento.

não sei muito o que dizer numa análise geral do livro, me senti levada pela mão para o passado de dois jovens negros em meios as muitas dificuldade de pais ausentes, mergulhada na curiosidade de como a gente se constitui em meio as alegrias e tristezas impostas pelo cotidiano. recomendo que leiam, chorem e aprendam com a sabedoria de um homem negro, nos seus 50 anos se reapaixonando pelo ato de lecionar.

texto originalmente publicado em 3 de maio de 2024.

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