o manifesto de jovens geógrafos negros

e a criação da disciplina “Geografia Regional: África” no curso de Geografia da UNICAMP

Hoje, dia 28 de abril de 2025, escrevo esse texto que busca prestar lembranças e documentar um processo valoroso e importante realizado em entre agosto de 2017 e o fim de 2018, no Instituto de Geografia da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.

Busco prestar respeito a um grupo de jovens que movidos por muitas coisas passou a se reunir para discutir sobre a criação e execução de atividades para promoção da discussão racial, dado a carência de referências bibliográficas e de referências no próprio quadro de docentes que levantassem o debate.

No ano anterior, 5 de maio de 2016 para ser mais precisa, os alunos da UNICAMP iniciaram uma greve que resultou na implantação das cotas no vestibular e outros direitos estudantis. Neste dia estava presente um grupo de alunos do IG, que tomaram o quarto do lado esquerdo no fim do corredor. Durante cerca de 3 meses o prédio da reitoria ficou ocupado e diversos alunos trabalharam para a articulação e reivindicação de pautas, para a manutenção da ocupação, para que fosse possível permanecer em greve, e na negociação com professores.

A luta estudantil exigiu muito de poucos, dado o quanto o futuro ganha. Esses passaram por maus bocados de diversas maneiras, mas isso garantiu que outros possam fazer o mesmo e mais. Em 2025 as cotas para pessoas trans foram aprovadas, as sementes, de fato, dão frutos. É bom viver pra ver a vida acontecer e se transformar.

Durante 2016 e 2018 alguns jovens do IG estavam muito envolvidos no processo de luta estudantil e assim a discussão e movimentação acerca do debate racial foi ganhando força, aliado ao momento da universidade em si.

Em abril de 2018 o coletivo inicia a articulação do manifesto para a instituição de uma disciplina que contemple geografia regional do continente africano, a ideia é incentivada pelo docente Vicente Eudes, que através da AGB Campinas apoiou o projeto de primeira.

Inicialmente a ideia era promover uma série de quatro eventos que trouxessem pensadores negros da geografia ou outros campos correlatos que pudessem contribuir com a discussão proposta ali.

A seguir a carta aberta para a comunidade apresentando a proposição do Coletivo Raça Negra, autodenominação do grupo de alunos negros organizados que estavam a frente do processo, com o que chamamos de “Geografia Afrocentrada: A Construção de um Manifesto”:

“A inquietação que conduz à elaboração do referido manifesto consiste em politizar o debate acerca da geografia da África, considerando a necessidade de cumprir a lei 10.639/10 que “incluirá o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros no brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional. Resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à história do brasil.”, além de buscar efetivar uma geografia pensada para o sul do mundo. Nos levando a repensar uma nova agenda epistemológica, novos métodos e referências. O que buscamos na construção desse manifesto é uma discussão de catálogo – e para além, de currículo – do curso de Geografia.”

Os eventos foram:

  1. “Movimentos negros e suas múltiplas resistências” com Sidélia Silva, Luanda Maat e Diosmar Filho que recentemente se tornou doutor em geografia, mais um griot!
  2. “Geografias da África: uma discussão epistemológica” com Rafael Sanzio Araújo dos Anjos, um pesquisador ímpar!

Agradeço profundamente a generosidade de todos que dispuseram do seu tempo, do seu conhecimento e sede em contribuir para discutirem com uma comunidade pouco sensibilizada sobre o debate racial, para abrirem portas para que fosse possível validar uma reivindicação básica como ter uma disciplina que discuta a contribuição do mundo negro, do pensamento negro, do saber negro, para uma das principais disciplinas sociais, a geografia.

Que bom que a gente pode viver e lutar, viver e desejar, e sonhar, e fazer. Que bom que pudemos contar com muito aliados no caminho, que bom pudemos encontrar apoio na caminhada e que hoje a disciplina exista e caminhe para a permanência no currículo.

Esse é pra vocês: Bianca Cavalcanti Martins, Igor Cauê, Douglas Silva, João Eduardo Oliveira, Fernando Vieira, Raphael Borges, Nara Leme, Guilherme Montenegro, Thiago Machado, Jéssica Rodrigues, Julia Cristina, Gustavo Moreira, Maristella Cruz, Jamaa Tendaji, Sarah Oliveira, Bismarc Teixeira, Jessica Cecim, Débora Alves, Geovana Beatriz, Vanessa Juliana, Fernanda Carolina, Rayssa Nitali, Caio Lourenço, Matheus Gusmão, Gabriel Amorim.

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